sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Uma mudança necessária na legislação de Drogas no Brasil!


paulo_teixeira_na_tribunaÉ preciso abrir o debate em relação à política sobre drogas brasileira, com o objetivo de buscar um modelo mais adequado à nossa realidade, que diminua os danos associados ao uso e ao abuso de drogas na nossa sociedade.

Os danos associados ao mercado ilegal de drogas

O consumo de drogas ilícitas no Brasil cresceu nos últimos anos1 e os danos associados ao mercado e ao consumo de drogas ganharam dimensões que exigem respostas adequadas e pragmáticas, que tenham condições de diminuir o problema e tranquilizar a sociedade em relação à situação atual.

por Paulo Teixeira

A política implementada nos últimos dez anos, desde a conferência da ONU para as drogas - UNGASS, realizada em Nova Yorque, em 1998, não logrou dar respostas eficientes à questão.
O mercado de drogas ganhou uma dimensão importante como atividade econômica e enriqueceu parte dos atores envolvidos, o que lhes deu força econômica para corromper os agentes públicos e exercer atração sobre os jovens de comunidades carentes e desempregados para trabalharem na venda dos seus produtos.
O Estado Brasileiro, com uma política em transição, destinou forte repressão a esses mercados que, capitalizados, protegem- se, utilizando-se de armamentos pesados e de práticas violentas para garantir os acordos com os intermediários dos seus negócios e, esses, com os usuários finais. Estima-se que no Rio de Janeiro ocorram cerca de 4.000 mortes violentas por ano associadas ao mercado de drogas ilícitas.
Grande parte do consumo de drogas ilícitas no Brasil é recreativo. As pesquisas indicam um número expressivo de usuários eventuais de maconha, ecstasy, LSD. Há também consumo de cocaína, muitas vezes problemático, e uma grave situação no uso do crack, que está associado na maioria dos casos à exclusão social e à desagregação familiar e vinculado a práticas de pequenos delitos por parte dos usuários.
Segundo o Ministério da Justiça, o número de presos por delitos de drogas aumentou nos últimos anos. Estima-se que 20% da população carcerária no Brasil sejam de pessoas condenadas por crimes relacionados a drogas. São 80 mil pessoas que estão presas por tráfico de drogas.
Os flagrantes por delitos de drogas em geral são de porte de pequenas quantidades (90%), conforme pesquisa desenvolvida pelo Ministério Público de São Paulo4, e as condenações são na grande maioria, de réus primários, que agiram sozinhos. Eles foram presos em flagrante, sem emprego de arma, conforme pesquisa
com sentenças de condenados por tráfico de drogas no Rio de Janeiro e em Brasília5.
Em São Paulo, o envolvimento no mercado de drogas é o segundo motivo de internações na Fundação Casa, a instituição
responsável pela custódia de adolescentes em conflito com a lei.
As condições de superlotação dos presídios brasileiros, o domínio das organizações criminosas sobre os presos e as dificuldades para inserção do ex-presidiário no mercado de trabalho são fatores que determinam o grande percentual de reincidência criminal no Brasil. Isto indica a necessidade de se evitar a pena de prisão para aquelas pessoas com baixo envolvimento no mercado de drogas.
A Nova Lei de Drogas (nº 11.343/2006), em que pese tenha significado um avanço em relação à lei anterior, manteve um amplo grau de subjetividade aos operadores do direito na distinção entre usuário e traficante, assim como na avaliação dos critérios de diminuição da pena (art. 33, parágrafo 4º.), mesmo nas situações em que o réu preencha as condições para tal, o que pode significar, em muitos casos, a possibilidade de aplicação desproporcional de penas aos pequenos traficantes. Em alguns casos, a conseqüência acaba sendo a discriminação de pobres, negros e moradores de comunidades carentes.
O abrandamento do tratamento dado aos usuários por meio da despenalização (descarcerização), em contrapartida ao
aumento de pena ao traficante, como dispôs a lei 11.343/2006, mantém ainda algumas questões importantes na aplicação da lei nos delitos de drogas: o usuário permanece sob a égide do sistema penal, pode ser confundido com um traficante, além do aumento de pena para quem fornece a droga. A nossa lei não faz qualquer distinção entre pequenos distribuidores e grandes traficantes.

Mudar a legislação de drogas

A Lei 11.343/2006 foi encarada como um avanço, por dar tratamento mais brando para os usuários e para o auto plantio e prever dispositivos que autorizam a estratégia de redução de danos em drogas.
Por que mudar a legislação de drogas?
  1. Um precioso tempo do Estado tem sido dedicado aos pequenos delitos de drogas, em detrimento da atenção à diminuição da violência e da garantia da segurança das pessoas diante dos crimes contra a vida, o patrimônio, o constrangimento das comunidades e outros crimes mais graves contra a sociedade;
  2. A polícia investe grande parte do seu tempo nas prisões, a justiça no julgamento e o Estado na manutenção de pessoas envolvidas em pequenos delitos de drogas;
  3. As prisões cumprem o papel de recrutamento e incentivo de pessoas para a prática continuada de crimes contra o patrimônio e contra a vida, convertendo os pequenos comerciantes de drogas em grandes criminosos;
  4. O proibicionismo tem feito com que os usuários consumam drogas de baixa qualidade, com mistura de substâncias químicas altamente prejudiciais à sua saúde, além de descuidos no uso que provocam outros problemas, como as Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), Hepatites, etc;
  5. O proibicionismo tem empurrado os usuários para uma arriscada relação com o comércio de drogas, seja pelos mecanismos de emprego da violência na cobrança de dívidas relacionadas ao consumo, seja pelo recrutamento dos usuários para o comércio como forma de custear seu consumo;

O proibicionismo tem gerado maior violência nas comunidades pobres, pois a ação repressiva do Estado tem recaído principalmente sobre as camadas mais populares da sociedade e tem um acentuado viés de discriminação racial.

  1. decisão do governo do Equador, dando perdão às chamadas “mulas” do tráfico de drogas, em 2008;
  2. decisão do governo brasileiro concedendo indulto de natal aos pequenos traficantes em 2008; 64 Políticas sobre Drogas: Avanços e Retrocessos
  3. a posição brasileira na conferência da UNGASS em Viena, em 2009, defendendo a estratégia de redução de danos, contribuindo para o fim do consenso em torno da política proibicionista;
  4. decisões do novo governo americano, com a eleição de Barack Obama, indicam nova orientação na política de drogas: financiamento federal para os programas de trocas de seringas para usuários de drogas, o fim da ofensiva jurídica contra as leis estaduais que autorizam o uso terapêutico da maconha e o respeito aos usuários de drogas;
  5. aprovação recente da lei mexicana, que descriminaliza o uso e o porte de drogas;
  6. decisão recente da Suprema Corte Argentina que tira da esfera penal o uso e o porte de drogas para uso próprio.
Essas decisões ajudam a desobstruir o debate para acelerar a transição para ajustar nossa política de drogas que contribua para a mudança na legislação. Um novo olhar se iniciou na sociedade brasileira com a divulgação das conclusões da Comissão Latino Americana de Drogas e Democracia, com a participação dos expresidentes Fernando Henrique Cardoso, César Gaviria e Ernesto Zedillo, defendendo a descriminalização do uso de drogas e a recente instalação da Comissão Brasileira de Drogas e Democracia.
A publicação da pesquisa “Tráfico de Drogas e Constituição” (UFRJ e UnB) contribuiu igualmente para a ampliação do debate, pela sensação de que o Estado Brasileiro vem se ocupando em punir pequenos traficantes, tirando do foco no seu papel principal de diminuir a violência e se preocupar com os grandes criminosos.
Essa conjuntura é favorável para se pensar numa transição da política de drogas de uma abordagem de um proibicionismo moderado8 para uma perspectiva mais claramente de redução de danos.

Por um ajuste na política de drogas

Uma nova legislação de drogas deve levar em conta a necessidade de fazer ajustes na atual política sobre o tema.
Deve-se criar um clima mais aberto de discussão sobre os diferentes padrões de uso de drogas, o efetivo respeito aos direitos dos usuários, a prevenção e o tratamento do abuso e a diminuição dos danos associados a essa prática.
Ao mesmo tempo, a legislação deve ter uma relação de compreensão e concordância dos atores envolvidos na sua implementação, como os membros da polícia, do Judiciário, do Ministério Público, dos médicos, servidores da saúde, familiares e da sociedade como um todo.
Ao mudar o foco da repressão para o tratamento da saúde do usuário, deve haver a certeza no investimento e na implementação da rede de tratamento aos usuários, de modo que não se busque na prisão a substituição para a ausência de lugares capacitados para oferecer atenção psico-social.
Um novo passo deve ser dado no sentido de acelerar a transição entre a política proibicionista para uma política de redução de danos, caracterizando uma ação reformista, mas não ainda a legalização, face ao pouco consenso na sociedade e aos impedimentos dos tratados internacionais.
Tais tratados são fruto de decisões que podem ser modificadas. O Brasil deve atuar para que as mudanças no contexto das discussões internacionais ocorram, e um novo modelo possa ser adotado pela comunidade internacional, inclusive de legalização de algumas drogas.

Ajustes na legislação de drogas

Um dos mecanismos que devem ser ativados para a mudança da política de drogas é a mudança na legislação.
Entre as melhores práticas legislativas, devemos aprofundar nosso conhecimento sobre a legislação portuguesa, que tem sido apontada como uma das melhores práticas que contribuíram para a diminuição do consumo de drogas naquele país.
Uma reforma na legislação de drogas deve tratar dos seguintes pontos:
  1. Descriminalizar algumas das condutas, como, por exemplo, o uso e a posse para consumo pessoal;
  2. Deve ser dada atenção especial ao chamado crime de tráfico, distinguindo claramente as variadas condutas previstas no artigo 33, caput, para tratar de forma diferenciada o pequeno e o grande traficante, para priorizar o combate à grande economia ligada ao tráfico, e permitir que o pequeno traficante possa receber uma pena alternativa e responder ao processo em liberdade;
  3. A conduta do tráfico deve ser definida com todas as circunstâncias, como exige o princípio da legalidade, de forma e se tentar reduzir a subjetividade na interpretação que se possa fazer à consideração de estigmas como “local e condições em que se desenvolveu a ação” e “circunstâncias sociais e pessoas”, como previsto na lei no seu artigo 28, §2º;
  4. Alteração no artigo 33, § 4º, garantindo a redução de pena (e a conversão em penas restritivas de direitos), como direito do acusado primário e de bons antecedentes, e sua aplicação só possa ser obstada no caso de comprovada ligação com organização criminosa, de forma a evitar o encarceramento e penas desproporcionais aos pequenos traficantes;
  5. Modificar a redação do § 1º do artigo 28, para dar ao indivíduo a possibilidade de, para seu consumo pessoal, semear, cultivar ou colher plantas destinadas a preparação de pequenas quantidades de substância entorpecente, combinando-o com o artigo 31, para que ”seja passível de autorização, com acompanhamento médico” esta prática conhecida como auto plantio;
  6. Previsão, por portaria do Ministério da Saúde, de outras modalidades de redução de danos, tais como: i) testagem do índice de pureza das drogas consumidas; ii) tratamentos de substituição de uma droga ilícita por substância lícita ou ilícita; iii) prescrição médica de substância ilícita; iv) criação de salas de uso seguro, para que as pessoas possam fazer o consumo seguro e com os efeitos da droga monitorados;
  7. Reforço da proibição de prática de atividades sob efeito de drogas ilícitas, e realização de campanhas informativas assim como já acontece com o álcool, por exemplo (Dirigir, Pilotar, etc.).

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