O Brasil na moda e a legalização das drogas
A edição da revista inglesa The Economist dá a medida do quanto o Brasil está na moda. Na capa, o Cristo Redentor levanta voo, sob a manchete “O Brasil decola”. Lá dentro, um especial de 14 páginas, falando de bancos, commodities, classe média, além de uma bem sacada comparação entre o Brasil e os Estados Unidos. Fora do especial, mais Brasil: uma matéria sobre Dilma, outra sobre a Geyse da Uniban. Aquela tentando entender o paradoxo de um presidente com 80% de popularidade e uma candidata que não decola, esta tentando entender o paradoxo do país do carnaval ficar histérico por causa de uma mini-saia.
No meio de tanta coisa, passou despercebida por aqui uma outra referência ao Brasil. Na matéria “Virtualmente legal”, a Economist especula que o Brasil pode ser um dos próximos países a descriminalizar o uso de drogas. A matéria é bem interessante. Ela mostra que há uma tendência fortíssima no mundo desenvolvido e na América Latina de finalmente deixar a proibição das drogas para trás.
Posse de drogas deixou de ser crime na Espanha, Portugal, Itália, República Tcheca, nos três países bálticos, na Argentina, México e Colômbia. Praticamente todos os outros países europeus, embora teoricamente mantenham a proibição, estão deixando de prender gente pelo uso de drogas. Um bom exemplo é o Reino Unido, onde a posse de maconha continua criminalizada, mas apenas 0,2% das pessoas pegas com a droga vai para a cadeia. (O Brasil não tem números confiáveis, mas também aqui usuários de maconha raramente vão presos.) Nos EUA, já são 14 os estados que adotaram a descriminalização – o mesmo aconteceu em vários estados alemães e canadenses, territórios australianos e cantões suíços.
No gráfico da Economist, note como pouquíssimos usuários de drogas vão para a cadeia. E como a Holanda virou um dos países mais rigorosos da Europa.
No gráfico da Economist, note como pouquíssimos usuários de drogas vão para a cadeia na Europa. E como a Holanda foi ultrapassada e virou um dos países mais rigorosos do continente.
A atitude mais branda está dando resultados. A revista destaca o caso de Portugal, que tem uma das políticas mais liberais do mundo: em 2001, nossa ex-metrópole descriminalizou a posse e o uso de todas as drogas. Desde então, nem o consumo nem o número de usuários cresceu, mas a quantidade de gente procurando ajuda médica para combater a dependência aumentou. Descriminalizar as drogas, pelo jeito, teve um impacto positivo em praticamente todos os lugares que tentaram. O estado economizou dinheiro, as forças policiais foram liberadas para cuidar de assuntos mais importantes, as cadeias se esvaziaram e os dependentes em drogas se sentiram mais confiantes para procurar ajuda.
Mas nada disso atacou o maior problema ligado às drogas: o financiamento do crime organizado. Afinal, o uso de drogas está deixando de ser crime, mas a venda continua ilegal. Portanto, continua havendo o incentivo para que organizações criminosas se financiem com esse comércio.
Três estados americanos – Novo México, Rhode Island e Massachusetts – são os pioneiros em atacar esse problema. Eles estão licenciando organizações sem fins lucrativos para produzirem maconha legalmente, sob rígido controle. Hoje a maior parte da maconha nos EUA vem do México – e os cartéis de drogas mexicanos devem 70% de suas receitas ao lucrativo comércio de maconha para os gringos do norte. Se os americanos produzirem sua própria droga, o crime organizado mexicano vai perder receitas e influência. Enfim: os americanos, inventores da proibição das drogas, são hoje os pioneiros da sua desinvenção.
Enquanto isso, o Brasil está na moda, a ponto de merecer a capa da Economist. É uma pena que, até agora, não esteja aproveitando o bom momento para ficar na vanguarda dessa discussão. Ainda mais porque somos um dos países que mais tem a ganhar com uma nova direção na política de drogas. Afinal, enquanto nossa economia vai bem, nossa segurança pública, nossa justiça e a corrupção na política vão bem mal. E tudo isso poderia melhorar se nos livrássemos da proibição das drogas, que financia o crime, corrompe e desmoraliza as instituições.
É assim no país da Geyse da Uniban. A gente gosta de se imaginar muito avançado, muito liberal, muito respeitoso das liberdades individuais. Mas, na hora h, o moralismo sempre ganha a discussão. Sabe por quê? Porque grita mais alto.
Por Denis Russo Burgierman
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